Autores: Andréa Margareth de Oliveira, Luis Roberto Zagonel, Murilo Henrique Pereira Jorge
1. INTRODUÇÃO
A criminologia por ser uma ciência interdisciplinar, busca trazer respostas aos mais diversos problemas sociais, coloca ao Direito Penal indagações mais amplas, identifica a origem dos problemas que resultam em delitos e nas mais variadas crises atuais. Além de mapear as causas, a criminologia busca compreender o delinquente e suas vítimas, dentro do contexto em que vivem. O estudo da corrupção e seus efeitos se mostra de grande importância para a desconstrução do pensamento de que o crime seria algo relacionado ao meio social, inclusive já citado pelo filósofo Emile Durkheim, que defendia ser possível encontrar criminosos em qualquer tipo de sociedade, reconhecendo inclusive sua importância para a manutenção das sociedades. O marco do estudo da corrupção foi na década de 30, quando Edwin Sutherland, que criou o termo “colarinho branco”, indicou que pessoas não advindas de classes mais baixas, como empresários, pessoas com funções políticas e funcionários públicos, também cometiam crimes. Contudo estes crimes não eram tipificados e, portanto, não recebiam qualquer punição. A corrupção no Brasil segue enraizada. Os crimes econômicos geram prejuízos astronômicos aos cofres públicos que refletem nas classes mais baixas, prejudicando aqueles que mais necessitam. Quando verbas destinadas à educação ou saúde, por exemplo, são desviadas por meio da corrupção, é a população mais pobre que sofre. Em contrapartida, observa-se a ineficiência do Estado no combate a estes crimes, enquanto trata com mais severidade crimes comuns e de menor potencial lesivo como furto, por exemplo, os crimes econômicos pouco são punidos.
2. Criminologia
O conceito de criminologia pode ser definido como a ciência que busca estudar o comportamento e a personalidade do agente delituoso, o controle social do comportamento delitivo e suas consequências na sociedade. Ainda, maneiras de prevenir a delinquência e sua reincidência, através de políticas públicas. Segundo Battaglini (1973, p. 17): A criminologia compreende a biologia criminal e a sociologia criminal. A primeira tem por objeto a pesquisa dos fatores individuais do delito, como os endógenos, somáticos e psíquicos, inerentes à vida do indivíduo. A segunda estuda os fatores sociais do delito. Trata-se de pesquisas escabrosas, cujos métodos e resultados provocam inúmeras e sempre vivas discussões, visando a íntima essência, o porquê do delito, encarado como fenômeno da natureza e da sociedade. Permanecem, para o jurista, matérias subsidiárias ou auxiliares. Mas isto não significa que não necessite delas, porquanto, embora diversos susa forma mentis, método e meios de estudo, a interpretação e a aplicação do direito estão a exigi-lo. É certo que o objeto da criminologia vem se atualizando com o passar dos anos, não se limitando apenas ao estudo do delito, sendo inseridos novos fatores, como por exemplo: a vítima, que anteriormente era omitida. Pode-se dizer que essa inclusão se deu devido a evolução histórica das teorias criminológicas. No princípio as teorias buscavam se ocupar das causas do crime, passando posteriormente a se preocupar com a influência da punição sobre o culpado, com o controle social, com as relações sociais envolvidas e com a relação entre o criminoso e sua vítima.
2.1. A criminologia e a escola clássica
A escola clássica surgiu entre o final do século XVIII e meados do século XIX, época do Iluminismo, em que se questionava a atuação do Estado Absolutista. Baseada num direito jusnaturalista, ou seja, de que há um direito natural, derivado da própria natureza humana e que deveria ser respeitado. Também no contratualismo, conhecido como Teoria do Contrato Social, onde o Estado estabelece um acordo entre os povos, que abrem mão de certos direitos, em favor da ordem e segurança comuns. Para essa escola, todos os homens eram iguais. Portanto, acreditava se que o sujeito tinha a opção pelo crime, livre arbítrio, estando assim, sujeito a punição, como forma de retribuição pelo delito, uma vez que havia quebrado o pacto social. Segundo Baratta, (2019, p. 31) para a escola clássica o delinquente não era diferente dos demais indivíduos. Ele acreditava que: (…) o delito surgia da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista de liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era diferente, segundo a Escola Clássica, do indivíduo normal. O objetivo principal da escola clássica era a proteção da sociedade contra os atos dos criminosos, sendo que a pena e o Direito Penal eram utilizados para coibir as práticas criminosas. Foi nesse momento que surgiram as primeiras ideias de penas justas com a humanização do Direito Penal. Cesare Baccaria, considerado um dos grandes pioneiros dessa escola, pregava a aplicação da pena com caráter mais educativo e menos agressivo, como nos tempos antigos. Importante lembrar também de Francesco Carrara e seu conhecimento penal. Considerava o crime a união entre a força física e moral, que hoje pode ser entendida como elementos objetivos e subjetivos. Carrara defendia que o Estado era responsável pela proteção de seu povo e garantia de seus direitos. Acreditando que o crime não é uma ação, mas uma infração, sendo um ente jurídico, uma vez que viola direito de outrem. Ainda, que a punição somente poderia ocorrer como consequência de um ato livre e consciente. A pena teria como objetivo a reparação pela violação de um direito, desde que houvesse previsão legal. Bitencourt, ainda definiu a escola clássica (2013, p. 102): A pena era, para os clássicos, uma medida repressiva, aflitiva e pessoal, que se aplicava ao autor de um fato delituoso que tivesse agido com capacidade de querer e de entender. Os autores clássicos limitavam o Direito Penal entre os extremos da imputabilidade e da pena retributiva, cujo fundamento básico era a culpa. Importante lembrar da importância da escola clássica, onde se preocupava com a punibilidade de maneira preventiva e tratava o delinquente como um sujeito comum e com livre arbítrio.
2.2. A criminologia e a escola positiva
Com surgimento marcado na Europa, no fim do século XIX, a escola Positiva teve como grandes filósofos: Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Raffaele Garófalo. Pode-se dizer que a criminologia teve início com a escola positivista, onde o foco principal não é o delito, mas o delinquente, sendo tratado como diferente dos demais indivíduos. Buscando, inclusive, como forma de combate ao delito, a modificação do delinquente. Na lição de Bitencourt (2013, p. 103): A aplicação da pena passou a ser concebida como uma reação natural do organismo social contra a atividade anormal dos seus componentes. O fundamento do direito de punir assume uma posição secundária, e o problema da responsabilidade perde importância, sendo indiferente a liberdade de ação e de decisão no cometimento do fato punível. Admitindo o delito e o delinquente como patologias sociais, dispensava a necessidade de a reponsabilidade penal fundar se em conceitos morais. Dentro deste pensamento o comportamento criminoso era explicado através de uma causa biológica. Seja por características físicas do próprio criminoso, como no pensamento de Lombroso, seja por condições sociais que o meio oferecia, conforme acreditava Ferri. Portanto o crime ocorria por questões biológicos ou sociais, sendo assim, quase inevitável. Para a escola clássica, o delito trata-se de um ente jurídico, mas não devendo ser analisado de forma a abstrair fatos sociais e naturais. Ainda, apesar de se acreditar que o delito surge de um ato de livre vontade, não se pode deixar de levar em conta as características biológicas e psicológicas do delinquente. Lombroso acreditava que o delito era um “ente natural”, intrínseco no ser humano, fazendo parte de sua passagem cronológica, da mesma forma que nascer e morrer, determinado por fatores hereditários. Tendo pensamentos inversos aos propostos pela Escola Clássica. Ainda o criminoso poderia ser identificado por determinadas características físicas. Garófalo seguia na mesma perspectiva de pensamento de Lombroso, dando ênfase nos fatores psicológicos. Tratava o problema da delinquência como um fator genético. Ferri, também na mesma linha de pensamentos, buscando o foco nos fatores sociológicos. Ainda, dividiu os fatores do delito em: antropológicos, físicos e sociais. Classificou também os delinquentes, segundo seu comportamento delitivo em: nato, louco, habitual, ocasional e passional. Em relação a pena, esta não atua de forma repressiva, mas como ameaça a futuros delinquentes, com cunho educativo. Por esses motivos, a duração da pena deveria ser avaliada de maneira individual, uma vez que cada sujeito reage de forma diferente aos seus efeitos. Os pensadores defensores da Escola Positiva indicavam como elemento fundamental do delito, a personalidade do delinquente, sendo o próprio delito um fator secundário, onde a criminalidade poderia ser explicada por questões atinentes aos próprios criminosos. O que se percebeu foi um estudo baseado em intervenções agressivas, a fim de comprovar que o criminoso já teria nascido com uma propensão ao delito, influenciado pelo meio que que vivia. O crime era considerado uma patologia e o criminoso seria portador desta doença. O “doente”, ou seja, o criminoso, era submetido a tratamentos degradantes em busca da “cura”. Por muitas vezes o próprio criminosos aceita essas intervenções acreditando ser possível se libertar da doença. Esse pensamento de que o criminoso possui características específicas segue em nossa sociedade ainda nos tempos atuais. Não é incomum as pessoas serem apontadas e julgadas como criminosos por suas características físicas, idade, sexo e cor da pele.
2.3. A criminologia nos anos sessenta
2.3.1. O Labeling Approach
Conhecida como teoria da “Reação Social” ou “Etiquetamento”, o Labeling Approach, surgiu na década de 60. Defendida incialmente por Haward Backer e Erving Goffman, focava na culpa do próprio sistema penal pelo aumento da criminalidade, uma vez que o delinquente é “rotulado” pelo sistema. Essa ação envolvia desde policiais, judiciário, sistema penitenciário, sobretudo na população mais marginalizada. Para Gonzaga (2020, p. 59) “a criminalidade não é uma qualidade da conduta humana, mas a consequência de um processo de estigmatização”. Ainda, atuando o sistema prisional como incentivador da delinquência. Sendo a melhor solução a extinção das penas privativas de liberdade, uma vez que a penalização aumenta ainda mais as desigualdades. Nesse sentido Baratta leciona (2019, p. 86): (…) não se pode compreender a criminalidade se não se estuda a ação do sistema penal, que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias que as aplicam), e que, por isso, o status social de delinquente pressupõe, necessariamente, o efeito da atividade das instâncias de controle social da delinquência, enquanto não adquire esse status aquele que, apesar de ter realizado o mesmo comportamento punível, não é alcançado, todavia, pela ação daquela instância. Essa teoria defende que quando um sujeito comete algum delito, sofre o chamado “etiquetamento”, momento em que os demais passam a tratá-lo como delinquente, interferindo em sua vida social. Neste sentido destaca Gonzaga (2020, p. 59/60): Importante ressaltar que as relações sociais pautadas na exclusão social e na discriminação repetem as mesmas interações sociais existentes no ambiente carcerário. Os presídios nada mais são do que reproduções fidedignas das mesmas relações que ocorrem no meio social. No cárcere, presentes estão pessoas que são excluídas dos direitos sociais mínimos e continuam sendo menosprezadas e esquecidas dentro dessas instâncias de poder. Uma vez esquecidos e rotulados na sociedade enquanto portadores de comportamentos desviantes, continuam nas penitenciárias com o mesmo rótulo só que mais esquecidos ainda e mais excluídos do mínimo existencial. Essa situação prejudica sua vida em comunidade, algumas vezes atrapalhando na busca de trabalhos lícitos, o que tende a levá-lo ainda mais a delinquir.
2.3.2. A criminologia crítica
A criminologia crítica tem como base o marxismo. Essa teoria acreditava que o capitalismo contribui para o aumento da criminalidade, uma vez que incentiva as desigualdades sociais e disputas por riqueza. Nessa teoria os menos favorecidos são perseguidos pela pratica de seus crimes, enquanto que o mesmo não ocorre com os detentores de poder. Ainda, Penteado explica que (2020, p.86): (…) essa teoria, de origem marxista, entende que a realidade não é neutra, de modo que se vê todo o processo de estigmatização da população marginalizada, que se estende à classe trabalhadora, alvo preferencial do sistema punitivo, e que visa criar um temor da criminalização e da prisão para manter a estabilidade da produção e da ordem social. Dentro da criminologia crítica, surgiram ainda outras vertentes: o neorrealismo de esquerda, o direito penal mínimo e o abolicionismo penal. O neorrealismo, baseado na “Teoria das Janelas Quebradas” (Broken Windows Theory4), acreditava que a punição severa a pequenos delitos, levaria a prevenção de grandes crimes, agindo, assim, de maneira preventiva. Ainda, defendia que os espaços públicos e privados deveriam ser altamente respeitados, uma vez que havia uma forte relação entre a desordem e a criminalidade. Tendo em vista que o cuidado mútuo mantém a ordem e afasta a criminalidade, sendo que o contrário fomenta o comportamento criminoso. O Direito penal mínimo, ou ultima ratio, onde o direito deve ser a última alternativa a ser aplicada, havendo a mínima intervenção com as máximas garantias através da aplicação do direito penal, somente nos casos onde não é possível a utilização de outro meio. Para o abolicionismo penal, o encarceramento só aumenta a criminalidade, uma vez que coloca o delinquente em situação desumana, onde não é possível a ressocialização. O sistema penal deveria basear-se na implantação de sistemas reparadores ou de conciliação, tornando a punição mais efetiva e evitando o aumento da criminalidade. Para Baratta (2019, p. 160): O direito penal não defende todos e somente os bens essenciais, nos quais estão igualmente interessados todos os cidadãos, e quando pune as ofensas aos bens essenciais o faz com intensidade desigual e de modo fragmentário; a lei penal não é igual para todos, o status de criminoso é distribuído de modo desigual entre os indivíduos. Portanto a solução para a redução da criminalidade estaria na diminuição da desigualdade social, redução da exploração econômica e no domínio sob a sociedade capitalista. Sendo fundamental um equilíbrio entre as classes sociais. Uma vez que a aplicação do direito penal é desigual.
3. A origem e o conceito de corrupção
“Pela justiça o rei estabelece a terra, mas o amigo de subornos a transtorna” (Provérbios 29:4). 4Criada a partir de um experimento realizado por Philip Zimbardo, onde foi deixado um veículo em um bairro de classe alta e outro em uma periferia. Na periferia o veículo foi depenado em 30 minutos; já o outro carro permaneceu intacto por uma semana. Após o pesquisador quebrar uma das janelas, o carro foi completamente depredado em poucas horas. (PENTEADO, p. 88) Inúmeras são as referências bíblicas à corrupção. Fato que aduz ser ela presente desde a criação do homem, desde os primórdios, estando enraizada na natureza humana. Da mesma forma, sempre seguida por uma maneira de coibi-la. Há registros inclusive no Código de Hamurabi (1.910 a.c.) que fazem menção à corrupção. É claro que a corrupção no Brasil extrapola qualquer limite. Desde empresas de fachada, offshores, utilização de “laranjas”, superfaturamento de obras, financiamento de campanhas eleitorais, malas de dinheiro, pagamento mensal para aprovação de leis e até dinheiro em cuecas. Perfeitas são as palavras de Nucci (2021, p. 450) sobre o tema: Por vezes, a corrupção não provoca grandes danos patrimoniais, mas, inequivocamente, gera prejuízos morais. Pode-se dizer que a moral difere do direito, uma verdade, mas, no cenário da corrupção, ambas se mesclam de maneira impressionante. Quem não tem pudor em ficar com o troco de uma venda (por vezes, algumas moedas), esquecido pelo cliente, já se mostra corrupto, embora se vislumbre a pequenez do dano patrimonial. Lembrando que a corrupção não é um fenômeno apenas político, ela envolve também instituições privadas da mesma forma que as públicas.
3.1. Conceito de corrupção
Os estudos sobre a corrupção tiveram seu marco na década de 30, quando sociólogo Edwin Sutherland trouxe o termo “Crimes de colarinho branco”. Em sua obra, ele busca traçar paralelos entre os crimes comuns e os crimes econômicos, inclusive sobre a tratativa diferenciada nas punições para os dois tipos de crimes. Para Suhterland (2015, p. 103): Muitos crimes de colarinho branco só podem ser visualizados por pessoas que são especialistas na atividade onde ocorreu o delito. É comum uma empresa violar uma lei por uma década ou mais antes que as agências estatais ou o público venha descobrir a violação. Os efeitos desses crimes podem ser difundidos por um longo período de tempo e talvez recaia sobre milhões de pessoas, mas não gera muito sofrimento para uma pessoa específica num momento específico. Ainda na abrangência da seletividade punitiva, Sutherland (2015, p. 100) afirma: Legisladores admiram e respeitam os homens de negócios e não podem concebe-los como criminosos; empresários não estão inseridos no estereótipo popular de “criminoso””. Os legisladores confiam que esses cavalheiros respeitáveis vão agir conforme a lei sem que seja necessária grande pressão. Apesar de tão antigas, as colocações de Sutherland ainda se repetem nos tempos atuais, mesmo com toda evolução econômica ocorrida no mundo. A palavra corrupção originária do Latim corruptione, significa decomposição, adulteração. Para Caggiano (2020, p. 227): (…) corrupção indica quaisquer ações praticadas de forma camuflada, a partir de uma zona de penumbra, à margem das linhas comportamentais norteadas pela lei e pela moral, sempre com vistas à obtenção de vantagens individuais ou em prol de um grupo, intangíveis pelas vias ordinárias. A corrupção por si só já é um fenômeno que intriga a sociedade. O que se vê, são pessoas em condições financeiras privilegiadas, que utilizam de suas influências para obter cada vez mais vantagem, mesmo que isso signifique empobrecer outros. A corrupção pode ser conceituada como um ato voluntário praticado por um agente público ou privado, em troca de uma vantagem, que pode ser financeira ou não, para a pratica de atos contrários a seus deveres. Pode ser caracterizada por troca de favores, recebimento de vantagens, informações privilegiadas, nepotismo, subornos, entre outras formas, ainda, pelo interesse particular em detrimento do interesse público. Na visão de Hayashi (2015, p. 12) “a corrupção é inerente à condição humana, sempre existiu e vai existir, pois ela existe em potência, ou seja, o mundo está constantemente sujeito a ela”. O problema gerado pela corrupção vai além dos prejuízos financeiros, passando pela esfera política, causando uma fragilidade no poder do Estado que fica nas mãos de pessoas desprovidas de ética, que não atuam como deveriam, em favor do desenvolvimento do país. Para Chemim (2017, p.70) “A corrupção desencoraja os investimentos, torna impossível a concorrência, deforma as despesas públicas, mina pela raiz a democracia”. É uma afronta a democracia, uma vez que desrespeita todos os princípios da administração pública. O que se percebe é a perpetuação do crime, pela esperança da impunidade, com penas pequenas e incontáveis benefícios recursais e acordos de colaboração. Nesse sentido Chemim (2017, p. 32) descreve: (…) o poder punitivo do Estado funciona bem contra pessoas que, em decorrência de seu meio, grau de instrução e condições de vida, são mais vulneráveis, ao passo que as pessoas de classes econômicas e politicamente mais fortes, mesmo que pratiquem crimes, não são selecionadas na mesma medida. Estas, portanto, não costumam receber punições por seus atos e não se sentem ameaçadas pela norma penal. Em outras palavras: algumas pessoas não precisam de grande esforço para serem concretamente punidas, enquanto outras teriam que se esforçar muito mais para sofrerem sanções do poder punitivo. Para Caggiano (2020) a corrupção pode ser dividida entre: a praticada na esfera governamental e a praticada no setor privado. A primeira diz respeito a atuação do servidor público ou agentes públicos políticos em proveito próprio ou de terceiros, cometendo crimes de improbidade administrativa ou atos ilícitos administrativos. Já a cometida pelo setor privado, acaba por envolver e influenciar a administração pública, sendo, portanto mais lesiva. Por vezes acaba resultando de uma corrupção bi-setorial, que envolve a corrupção do por parte do setor privado à agentes públicos. Importante também destacar a influência dos lobbies na corrupção, que atuando com pressão no setor político. No entendimento de Caggiano (2020, p. 232): (…) os lobbies comparecem em cena política como uma das principais fontes primárias de corrupção. Conduzidos com elevada e avançada tecnologia, os lobbies, por intermédio dos lobistas, penetram na esfera da tomada das decisões políticas distorcendo a realidade e a perspectiva das prioridades. Dessa forma, os “lobistas” acabam por influenciar decisões, que levam em consideração apenas interesses próprios, exercendo uma forte pressão na política. Assim, as importantes decisões, que deveriam objetivar o bem social, acabam por desviar de seu propósito, gerando grandes prejuízos à população.
3.2. Tipos penais que envolvem a corrupção São divididos em duas categorias:
3.2.1. Crimes contra a administração públicas praticados por funcionários públicos, são eles:
3.2.1.1. Peculato
Previsto no art. 312 do Código Penal, trata-se da apropriação, por funcionário público, de valores em dinheiro ou bem móvel, de natureza pública ou privada. Segundo Nucci (2021, p. 419): São duas as condutas típicas previstas no caput do artigo: a) apropriar-se, que significa tomar como propriedade sua ou apossar-se. É o que se chama de peculato-apropriação; b) desviar, que significa alterar o destino ou desencaminhar. É o que se classifica como peculato-desvio. Os objetos das condutas são dinheiro, valor ou outro bem móvel, público ou particular de que tem a posse em razão de seu cargo. Constitui o peculato próprio, em confronto com a figura prevista no § 1.º.
3.2.1.2. Emprego irregular de verbas ou rendas públicas
Com previsão legal no art. 315 do Código Penal, caracteriza-se pelo emprego de verba pública em função diversa da determinada. Na lição de Nucci (2021, p. 438) “Dar aplicação significa empregar ou utilizar. O objeto da conduta são as verbas ou rendas públicas. O agente destina essas verbas ou rendas para aplicação diversa da fixada em lei”. 3.2.1.3. Concussão Descrito no art. 316 do Código Penal, tem suas caraterísticas semelhantes aos da corrupção ativa e passiva, contudo se utiliza da imposição e da intimidação. Para Nucci (2021, p. 440): Exigir significa ordenar ou demandar, havendo aspectos nitidamente impositivos e intimidativos na conduta, que não precisa ser, necessariamente, violenta, porém há de conter uma forma de ameaça. Não deixa de ser uma espécie de extorsão, embora colocada em prática por funcionário público. O objeto da conduta é uma vantagem indevida. 3.2.1.4. Corrupção passiva Segundo art. 317 do Código Penal, ocorre quando um funcionário público solicita ou recebe alguma vantagem indevida. Extremamente abominada por causar danos irreversíveis à sociedade. Assim nos descreve Nucci (2021, p. 448): A corrupção caracteriza-se, nitidamente, pela negociata, pelo pacto escuso, pelo acordo ilícito, pela depravação moral de uma pessoa, gerando, muitas vezes, imensos estragos ao Estado. Entretanto, a corrupção não se limita às fronteiras da Administração Pública, pois corre solta no ambiente privado, em particular, no cenário de empresas particulares. As maiores do mundo, que se auto intitulam honestas, são surpreendidas, de tempos em tempos, imersas na podridão dos negócios malvistos e ilegais. 3.2.1.5. Prevaricação Escrito no art. 319 do Código Penal, acontece quando o funcionário público se abstém ou retarda um ato de sua responsabilidade para obter alguma vantagem. Conforme nos descreve Nucci (2021, p. 461): O tipo prevê o termo indevidamente, significando não ser permitido por lei, infringindo dever funcional. Assim, as duas primeiras condutas (retardar ou deixar de praticar) devem ser abrangidas por tal elemento. Exemplo da primeira conduta seria o funcionário que, por não se dar bem com o requerente de uma certidão, cuja expedição ficou ao seu encargo, deixa de expedi-la no prazo regular. Exemplo da segunda seria a conduta do delegado que, devendo instaurar inquérito policial, ao tomar conhecimento da prática de um crime de ação pública incondicionada, não o faz porque não quer trabalhar demais. 3.2.2. Crimes contra a administração públicas praticados por particulares, são eles: 3.2.2.1. Tráfico de influência Previsto no art. 332 do Código Penal, é quando um sujeito se utiliza de sua posição para influenciar funcionário público a fazer ou deixar de fazer algo. Não é necessário que o ato praticado pela pessoa que sofreu seja consumado para se caracterizar, a simples influência já é crime. Nucci (2021, p. 517) exemplifica como “A denominada carteirada, quando uma autoridade invoca o seu posto para intimidar certo servidor público a fazer algo ou a deixar de fazer, a pretexto de influir em ato de seu superior hierárquico configura o crime descrito neste artigo”. 3.2.2.2. Corrupção ativa Descrita no art. 333 do Código Penal. É o ato de oferecer vantagem a funcionário público para obtenção de algum benefício. Importante destacar que não é necessário que a vantagem seja recebida, o crime pode ocorrer apenas pelo oferecimento da vantagem. Neste sentido no ensina Nucci (2021, p. 521): Oferecer (propor ou apresentar para que seja aceito) ou prometer (obrigar-se a dar algo a alguém), cujo objeto é a vantagem, conjuga-se com determinar (prescrever ou estabelecer) a praticar (executar ou levar a efeito), omitir (não fazer) ou retardar (atrasar) são as condutas típicas, cujo objeto é o ato de ofício. Portanto, se alguém, exemplificando, propõe vantagem a um funcionário público, levando-o a executar um ato que é sua obrigação, comete o delito previsto nesse artigo. A consumação se dá por ocasião do oferecimento ou da promessa, independendo da efetiva entrega. 3.3. Histórico da corrupção no Brasil: o “jeitinho brasileiro” O relatório “Índice de Percepção da Corrupção 2020”, desenvolvido pelo organismo Transparência Internacional (ONG com sede em Berlim) sobre percepção da corrupção, num ranking de 180 países, o Brasil encontra-se em 94° lugar. Situação que se ficou pior após crise gerada pela pandemia do Covid-19 em todo o mundo. Há consenso em se dizer que a corrupção faz parte da cultura do brasileiro. Sendo o brasileiro um corrupto nato, é um item que compõe seu caráter, sua personalidade. Esse estigma faz acreditar que em nenhum outro lugar do mundo o cidadão já nasce com propensão a se tornar corrupto, procurando uma forma de “levar vantagem em tudo”, apenas no Brasil. Ditados populares como “a ocasião faz o ladrão” ou “todo mundo tem um preço”, seguem como bons exemplos da corrupção disfarçada, onde se busca atuar à margem da lei, na certeza da impunidade. Para Barbosa (2005, p.7) o jeitinho brasileiro: (…) pertence a família de fenômenos dos quais fazem parte o favor e a corrupção. A melhor forma de entende-los seria visualiza-los como um continuum, no qual no polo passivo encontra-se o favor, no negativo a corrupção e na posição intermediária, o jeitinho. O “jeitinho” geralmente se caracteriza por uma forma de resolver determinada situação burlando ou ignorando a lei. Alberto Guerreiro Ramos, na década de 60, publicou um dos primeiros estudos sobre o “jeitinho brasileiro”, ele denomina como “processos criolos”, sendo muito comuns nos países da América Latina, baseada sobretudo nas desigualdades, com forte influência do formalismo, ou seja, o que está na lei, não é a conduta praticada de fato. Para ele o “jeitinho” tenderia a desaparecer, com um maior desenvolvimento social e econômico das nações, desde que tivessem como consequência uma adequação das leis. Outro autor de destaque nesse assunto foi, Roberto Campos através da publicação “A técnica e o riso”. Para ele, a origem do “jeitinho” se deu no feudalismo, onde a lei somente era aplicada para servos e vassalos, não tendo o mesmo rigor para barões e soberanos. Também acreditava que a diferença no tratamento à lei para latinos e anglo-saxões era um ponto importante. Uma vez que, para estes, que utilizam da Common Law, baseada nos costumes, portanto sendo mais fácil sua aplicação, já aqueles são revestidos de excessivas leis, sem fundamentos devidos e de difícil cumprimento. Importante destacar que o “jeitinho” não é artifício exclusivo de uma classe social, como constatou Barbosa (2005, p. 40), em pesquisa publicada em seu livro. O “jeitinho” é utilizado desde as classes mais baixas, até os mais influentes. Na lição de Barbosa (2005, p. 41) “Sabemos que o jeito se distingue de outras categorias afins no universo social brasileiro como favor e corrupção. Entretanto é difícil estabelecer o que distingue o jeito, do favor e da corrupção”. Para a autora, o “jeitinho” estaria entre o favor e a corrupção, podendo se amoldar em um ou no outro, conforme a situação prática ou a alguma transgressão à norma. Ainda, Barbosa acredita que a burocracia alimenta o “jeitinho” (2005, p. 46): Enquanto a máquina burocrática é teoricamente racional, impessoal, anônima e faz uso de categorias intelectuais, o jeito lança mão de categorias emocionais. Com os sentimentos, estabelece um espaço pessoal no domínio do impessoal. E sua estratégia depende de fatos opostos ao da burocracia como: simpatia, maneira de falar, etc. Ainda assim, grande parte dos brasileiros acredita que o “jeitinho” é apenas uma maneira simpática e agradável de resolver situações diversas, sem maldades ou sem intenção de infringir uma regra. Embora o “jeito” seja natural do brasileiro, nem todos conseguem utilizar, para Barbosa (2005, p. 96): O jeito é uma questão de “personalidade”. Esta não é transmitida socialmente. Ninguém pode herda-la, são recursos seus que o tornam, além de um ser moral, um ser psicológico, realmente uno e especial. Você tem ou não tem jeito para pedir (…) lembrando-nos que os personagens típicos do jeitinho estão longe se serem pessoas bem-sucedidas do ponto de vista da estrutura social: o malandro e o carioca. Assim, por mais que o “jeitinho” seja revestido de uma boa intenção, como uma forma pacífica para resolver determinado conflito, é notório que muitas vezes é movido pela “pequena” corrupção. 4. Medidas de combate à corrupção Há muitos anos se tenta combater a corrupção no Brasil, mas, apesar do todas as ações, o país continua devastado por esse mal. Quando se fala em corrupção é comum pensar no meio público, contudo a corrupção atinge também a iniciativa privada com grande força, seja com envolvimento ou não do setor público. Ferrajoli (apud Chemim) explica “A corrupção desencoraja os investimentos, torna impossível a concorrência, deforma as despesas públicas, mina pela raiz a democracia”. O combate a corrupção nunca foi uma tarefa fácil, para Chemim (2017, p.70): Combater eficazmente a corrupção implica arejar o mercado, ampliar a livre concorrência e diminuir os gastos públicos, permitindo que o dinheiro que antes ia para o bolso dos políticos corruptos possa ser destinado à melhoria de vida da população carente. Mais do que isso: combater eficazmente a corrupção garante expandir a confiança da população nas relações com o Estado e até mesmo nas relações interpessoais. Para Sutherland, os efeitos da corrupção atingem toda uma coletividade e suas consequências são sentidas por muitos anos. 4.1. Lei de Lavagem de Dinheiro O crime de lavagem de dinheiro ocorre quando o agente recebe determinado montante em dinheiro, de forma ilícita e busca transformá-lo em lícito. Para tanto, se utiliza de um objeto lícita, dessa forma ocultando a origem ilícita. Para Badaró (2017, p. 29) (apud Florêncio Filho, 2020, p.113), a lavagem de dinheiro se caracteriza como: o ato ou sequência de atos praticados para mascarar a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, valores e direitos de origem delitiva ou contravencional, com o escopo último de reinseri-los na economia formal com aparência de licitude. Sobre a Lavagem de Dinheiro, Prado (2109, p.433) descreve: Ainda que seja um fenômeno socioeconômico antigo, o delito de lavagem (reciclagem, branqueamento) de capitais, de dinheiro ou de bens emergiu de modo relativamente recente no cenário jurídico, como decorrência do tráfico internacional de drogas, vindo a ser, a posteriori, objeto de criminalização pela lei penal de diversos países. Diante da necessidade em cumprir compromissos internacionais que buscam a prevenção aos crimes de lavagem de dinheiro, foi criada no Brasil a Lei 9.613/1998, conhecida como “Lei de Lavagem de Dinheiro”. Essa lei teve como objetivo principal a prevenção à crimes contra o sistema financeiro. Ainda, na mesma lei, houve a criação do COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras, que atua como uma unidade de inteligência financeira e é ligado ao Banco Central. Tem como função disciplinar, aplicar penas administrativas, receber, examinar e identificar as ocorrências suspeitas de atividades ilícitas que estejam estabelecidas na lei, com atuação nacional e autonomia, porém sem função investigativa. Os objetos tutelados pela lei são: ordem econômica, ordem tributária, SFN, administração da justiça, paz publica, ordem socioeconômica. Para Andreucci (2019, p. 476) os objetivos da referida lei são: (…) dar contribuição ao combate ao crime organizado em nível transnacional. A “lavagem de dinheiro” (tradução literal de money laundering – expressão utilizada no começo do século passado pela polícia norte-americana, em razão de a máfia possuir lavanderias como empresas de fachada para justificar seus ganhos ilícitos) é um dos mecanismos mais eficientes, por suas múltiplas formas, de financiar a criminalidade organizada, possibilitando às organizações criminosas e aos criminosos em geral apresentarem justificativas aparentemente lícitas para seus ganhos ilícitos. Importante salientar que a lavagem de dinheiro é um crime acessório. Uma vez que o dinheiro é proveniente de uma infração penal anterior, ou seja, é necessário que tenha havido uma ação anterior para que ocorra a lavagem de dinheiro. Utilizando-se da lavagem de dinheiro para o tornar lícito. A relação desses crimes anteriores pode ser explicada por 3 fases de atuação das leis, segundo Eduardo Saad-Diniz. Através do Decreto 154/1991, momento em que o Brasil recepciona a convenção contra o tráfico ilícito de entorpecentes e de substâncias psicotrópicas surgiu a 1ª. Geração, onde abrangia somente os crimes provenientes de tráfico de drogas. Com o advento da Lei 9.613/1998, iniciou-se a 2ª. Geração, ampliando o rol de crimes antecedentes, porém ainda sendo taxativo, ou seja, somente se considerando os crimes que estivessem expressos na referida lei. Diante das lacunas obtidas na aplicação das leis anteriores, foi criada a Lei 12.683/2012, que trouxe diversas mudanças à Lei de Lavagem de Dinheiro. Criou-se assim a 3ª. Geração, suprimindo incisos do art. 1°, eliminado assim o rol taxativo, dessa forma aceitando como infração antecedente qualquer infração penal. O crime de lavagem de dinheiro, é composto por 3 fases, segundo Andreucci: 1° – Conversão – momento em que o dinheiro ilegal é inserido no sistema financeiro, é nesse momento que o montante se separa da sua origem. 2° Dissimulação – é a própria movimentação do dinheiro, quando é depositado em empresas de fachada para integrar valores legal. 3° Integração – é a fase final, quando se criam falsas origens legais, passando o valor ilegal a ser lícito, sendo utilizado para investimentos. Sobre as condutas descritas na lei de lavagem de dinheiro, conforme descreve o §1°, “ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes de crime”. Portanto “ocultar” se refere a esconder, enquanto que “dissimular” trata-se de disfarçar. 4.2. Compliance e a Lei Anticorrupção Após a criação da Lei de Lavagem de Dinheiro, as empresas passaram a fiscalizar suas próprias atuações. No art. 7° da mesma lei, fica determinado a existência de mecanismos e procedimentos internos nas empresas, utilizados para prevenção de práticas delituosas e que poderiam atenuar uma possível punição para a pessoa jurídica. A partir da “Mérida” ou “Convenção das Nações Unidas contra a corrupção”, os países membros se comprometeram a adotar medidas para o combate a corrupção no setor privado. Neste sentido surgiu a necessidade dos programas de Compliance dentro das empresas, inclusive com o dever de punir possíveis atos contrários às normas. Verissimo (2017, p. 102) define Criminal Compliance como: aquele que se destina a evitar a ocorrência de delitos praticados por meio ou no interesse da empresa, bem como a eximi-la de penalidade ou mitigar as sanções impostas, quando eles ocorrem, e, mais especificamente, o compliance com as normas anticorrupção. O termo Compliance vem da língua inglesa to comply with quer dizer estar em conformidade, ou seja, dentro das normas. Na definição de Kuhlen (apud, Verissimo, 2017, p. 91): (…) são chamadas de compliance as medidas pelas quais as empresas pretendem assegurar-se que as regras vigentes para elas e para seus funcionários sejam cumpridas, que as infrações se descubram e eventualmente sejam punidas. Os programas de Compliance dentro das empresas devem atuar em conjunto com Banco Central, Receita Federal, Coaf, Susep, CVM, formando dessa forma uma barreira capaz de contém qualquer ilegalidade, tomando as medidas repressivas quando necessário. Segundo arts. 10 e 11 da Lei 9.613/1998, as empresas são obrigadas a manterem cadastros minuciosos de seus clientes, além de identificar possíveis movimentações suspeitas de valores. Após a alteração da mesma lei, em 2013, houve a inclusão dos incisos no art. 9° que ampliou o rol de profissionais obrigados a adotar medidas de Compliance, todos com foco na prevenção dos crimes econômicos. Em 2013, houve a criação da Lei 12.846/2013, conhecida como “Lei Anticorrupção” ou “Lei da Empresa Limpa”, momento em que passou-se a aumentar a responsabilidade pelos crimes cometidos pela pessoa jurídica contra a administração pública. Na lição de Verissimo (2017, p. 16) a aplicação dessa lei se dá: (…) às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente. Importante salientar que as normas descritas na Lei 9.613/98 são de aplicação obrigatórias, enquanto que as da Lei 12.846/2013 são de cunho opcional, sendo utilizado apenas como incentivo aos programas de Compliance, na obtenção de possíveis benefícios, nos casos passíveis de punição. Para Nucci (2015, p. 88) a Lei Anticorrupção é bastante controversa, uma vez que exclui o âmbito penal e as pessoas físicas. Ele entende que para o cometimento do crime pela pessoa jurídica, deve necessariamente ter o envolvimento de uma pessoa física. Ainda, a partir da referida lei, a responsabilidade passa a ser objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa, basta tão somente a conduta. Como seria possível essa responsabilização da pessoa jurídica se não é possível que esta tome suas decisões se não por intermédio de uma pessoa física? Neste sentido Nucci (2015, p 93) explica: Esta Lei, de maneira criativa, trouxe a chamada responsabilidade judicial, que não é civil nem administrativa, mas também não é penal. (…) Essas explicações ilógicas e equivocadas, com devida vênia, chegam a contar com a aplicabilidade, no contexto desta Lei, da teoria penal da imputação objetiva. Nem passa perto disso. A realidade é mais simples: quer-se punir a pessoa jurídica pelo que “ela” (na verdade, um ser humano em seu nome) fez em matéria de corrupção, sem a tormentosa busca do dolo. Os programas de Compliance buscam trabalhar tanto na prevenção como na punição de possíveis infrações cometidas. Cabendo a empresa também a verificação de possíveis violações às normas, remetendo aos órgãos competentes eventuais investigações. Segundo Volkov (apud, Verissimo, 2017, p. 96): os programas de compliance têm duas funções principais: 1) promover uma cultura positiva, ética, na empresa, construindo a marca, aumentando os lucros e o orgulho dos empregados em fazer parte dela. Isso tem reflexos externos também, porque constrói a confiança nos consumidores, fornecedores, na mídia, projetando uma boa imagem no mercado, aumentando sua atratividade para investimentos (especialmente se a empresa tiver ações em bolsa); 2) proteger a empresa de riscos que vão além das investigações e ações penais, e trazem abalo à imagem e ao valor das ações da empresa no mercado, afetando ainda a cultura da empresa como um ativo que promove o comportamento ético dos altos executivos, dos gerentes e dos empregados. É de fundamental importância que o programa de Compliance envolva toda a instituição, desde os mais altos cargos até o de menor participação, dessa forma a prevenção será de fato efetiva, desenvolvendo uma cadeia de comprometimento no combate à corrupção em apoio ao poder estatal. 4.3. Governança corporativa e Compliance Governança corporativa trata-se de um mecanismo através do qual as empresas são administradas e monitoradas.Abrange ainda a forma como se relaciona com seus sócios, diretores e administradores. A governança corporativa trabalha com foco na valorização da empresa, através da transparência da sua tomada de decisões, gerando por consequência, maior confiança no mercado e atraindo assim, maiores investimentos. Esse instituto busca envolvem toda empresa no alcance de seus objetivos. Na lição de Verissimo (p. 100) “A governança corporativa, basicamente, é o sistema pelo qual as companhias são dirigidas e controladas”. Para o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) “As boas práticas de governança corporativa convertem princípios básicos em recomendações objetivas, alinhando interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor econômico de longo prazo da organização, facilitando seu acesso a recursos e contribuindo para a qualidade da gestão da organização, sua longevidade e o bem comum”. Para Schmidt (apud, Verissimo, p. 102): Mais do que uma estratégia privada de eficiência, as empresas o adotam porque – especialmente no mercado de capitais ele é um elemento que aumenta a transparência perante o mercado e a confiança dos investidores, facilitando o acesso a capital de terceiros. Neste sentido o Compliance tornou-se um grande aliado das empresas, uma vez que atua na fiscalização de suas práticas, garantindo um trabalho ético e dentro da legalidade. 5. Considerações Finais Pode-se dizer que acontece com os crimes de colarinho branco o mesmo que aos adolescentes infratores, a lei os beneficia para que não sejam condenados ou quando condenados, não sejam punidos, conforme nos descreve Sutherland. Pelo fato dos crimes de corrupção estarem diretamente ligados a benefícios políticos, os legisladores se sentem intimidados e com medo de perder seus benefícios, pois isso não agem em desfavor de empresários corruptos. A lavagem de dinheiro e a corrupção estão intimamente ligadas, uma vez que aquela é utilizada para “lavar” os valores recebidos através desta, portanto uma não poderia existir sem a outra. A corrupção alimenta em círculo vicioso, em que se beneficiam sobretudo os empresários, através de contratos superfaturados e os políticos, com largas propinas para celebração de contratos e indicações de seus privilegiados. Quem de fato se prejudica é a economia do país que acumula os prejuízos, que são refletidos na redução de verbas que deveriam ser destinadas à saúde, educação e infraestrutura, por exemplo. Os grandes empresários impõem respeito e admiração por parte da população, jamais sendo visto como um “criminoso”. Percebe-se que nossa sociedade não é igualitária, pois os homens são tratados com distinção. Sendo assim a lei não se aplica de igual forma a todos, sendo especialmente seletiva. Os mais pobres e desprovidos de uma boa defesa, muitas vezes não conseguem se utilizar de suas garantias legais. Enquanto que os mais poderosos se beneficiam de intermináveis recursos e benefícios oferecidos e explorados por renomados advogados. Os efeitos causados pelos crimes de colarinho branco são difusos e atingem um número indeterminado de pessoas, além de serem de difícil percepção, não geram sofrimento direto a uma pessoa. Diferentemente dos crimes comuns que são muito claros e costumam atingir uma única pessoa. Estes crimes econômicos, por vezes acontecem durante vários anos, somente sendo descobertos por especialistas, seus efeitos podem inclusive se perpetuar no tempo.
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