Autores: Gabriel Victor Zaparoli de Oliveira, Tharyne Zaltron Ribeiro de Paula

Introdução

A perspectiva objetivada por esse trabalho traz consigo a ideia de uma pesquisa os waldianamente antropofágica, onde se busca mostrar o modo de recepção das teorias criminológicas do centro no Brasil, de forma a tentar construir uma identidade criminológica
própria, respondendo a questionamento tais como: De que forma as traduções da criminologia foram utilizadas no processo colonizador? Como esse processo induziu a perseguição de corpos negros (observadas ainda na contemporaneidade)? Ainda, como essa perseguição foi utilizada para o controle da massa de indivíduos que compunha grande parte da população marginal e que além do estigma da cor, carregavam o peso da inferioridade geográfica. Para isso é preciso compreender a concepção dos modelos de Estado e as suas organizações bem como o ponto de partida da criminologia como questão de política de controle social através das mudanças nas relações de poder. Analisar também o modo como a criminologia central se formou e os diálogos dos autores influentes nessa construção baseada em uma pseudociência é imprescindível, para então, entender o lapso temporal em que foi traduzida bem como os saberes que foram selecionados para essa tradução, a fim de compreender o seu propósito e como os dispositivos disciplinares funcionaram para a vigilância e controle de potenciais indivíduos lesivos à norma jurídica.
Portanto, necessário se faz revisitar as raízes da seletividade da política criminal brasileira é preciso partir do ponto de que foi um fato construído historicamente através de interesses sociais, políticos, jurídicos e econômicos, fundantes de um racismo estrutural e
legitimado pelo ordenamento jurídico penal a partir de métodos de caráter aparentemente científicos e inquestionáveis, que criaram o estereótipo do criminoso e marginalizaram os marginalizados em sua própria essência enquanto seres biológicos, criando ideias hierarquizantes e inferiorizados de uma parcela da população brasileira.


 AS RUPTURAS CRIMINOLÓGICAS

A criminologia tem por foco, em termos extremamente genéricos, o estudo das causas do crime e do criminoso, e, ao longo da história sofreu inúmeras mutações em sua metodologia e na forma de compreender esses dois elementos. Portando, a análise ao longo deste capitulo parte da aparição do poder punitivo no século XIII, a constituição do Estado como centralizador do sistema penal até o século XVIII e o surgimento da criminologia disciplinadora no século XIX Nessa perspectiva, a criminologia tradicional e posteriormente a positivista, se propõe “realizar o diagnóstico da causa da delinquência e sugerir o prognóstico para sua contenção”
(CARVALHO, 2010). Segundo Vera Malaguti Batista explica que a criminologia, enquanto racionalidade positiva, pode ser entendida como uma resposta política (2009, p. 23) Dessa maneira ver–se-á que a demanda por ordem e as próprias mudanças dos  pensamentos criminológicos estarão, em geral, associados a sistema de produção e a sua demanda por ordem, onde a
punição está intimamente ligada a um tipo de desenvolvimento econômico. As ciências criminais expõem as feridas do processo civilizatório (CARVALHO, 2014, p. 25), e como ele pode ser excludente e letal para aqueles que estão a sua margem e não
participam da construção do saber penal 
Com o passar do tempo, o objeto de estudo da criminologia expandiu-se, passando a incluir a figura da vítima, até então negligenciada. Essa ampliação se deu em razão da evolução histórica das teorias criminológicas, que, inicialmente, concentravam-se nas causas do crime e, posteriormente, passaram a se preocupar com os efeitos da punição sobre o infrator, o controle social e as relações sociais envolvidas no fenômeno criminal.

 Do absolutismo inquisitório ao sistema de classes

Para entender a realidade criminológica brasileira, e, em partes, a latino-americana, é preciso situar, mesmo que de forma breve o início da disciplina que irá nortear o presente trabalho, a criminologia tradicional e os conhecimentos estrangeiros, já que os nossos saberes resultam da tradução e adaptação destes. Segundo Pavarini (1983) para a compreensão do objeto da criminologia é primordial entender a necessidade de ordem e a luta pelo poder bem como o surgimento do capital e a operacionalização do poder punitivo para a construção do Ocidente colonizador. Contudo, com o passar do tempo, por volta do século XV a pena de indenização
monetária ao rei foi dando mais espaço aos castigos físicos, e isso se deu posto a própria economia centralizada em apenas uma camada da sociedade, e a carência de recursos financeiros das classes inferiores para custeá-las (2004).
Em sua obra Vigiar e Punir, Foucault apresenta a ótica do povo sobre opunitivismo da idade média, colocando-o como espectador, ao  presenciar execuções e confissões públicas, bem como ao se depararem com a exposição dos cadáveres ao longo das praças. Segundo Foucault, essa posição tinha como objetivo trazer medo na população, para que não apenas soubessem da norma, mas vissem a sua execução e sentissem medo. (FOUCAULT, 1999, p. 75).
Com a incipiência do mercantilismo essa forma de punição, característica do Antigo Regime, foi mudando de maneira gradual, passando de algo bárbaro e que aniquilava a população criminosa e pobre com os seus métodos de tortura, para algo lucrativo e exploratório. Começam a surgir segmentos urbanos que demandavam certos bens de consumo bem como o mercado vai se  expandindo, dessa forma, para a consecução dos objetivos desse novo sistema econômico, era necessário mão-de-obra suficiente (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 43).
Assim, a partir do século XVI, a possibilidade de explorar o trabalho dos criminosos pela nova classe social que está emergindo com esse novo desenvolvimento econômico, a chamada burguesia, começou a ser levada em conta, e o sistema começou a articular essa
ideia de servidão penal, justamente pela baixa capacidade demográfica das cidades e pelo exponencial aumento de mendigos, prostitutas e loucos. (BATISTA 2011, p. 33)


 Política criminal do classicismo como meio de controle social da margem

Com o fortalecimento do contrato social e o protagonismo da multidão, que vão produzir críticas ao absolutismo (BATISTA, 2011, p. 23), as antigas técnicas de punição física e violenta vão se tornando perigosas para o Estado, que agora começa a procurar formas para legitimar a perseguição dos indesejáveis, a extração da sua mais valia, e a disciplinamento dos seus corpos, elementos necessários para o funcionamento e ascensão do capitalismo. Para Foucault, nesse momento histórico, a ideia punitivista era de diminuir o custo econômico das penas, de forma a constituir “uma nova economia e uma nova tecnologia do poder de punir” (Foucault, 1999, p. 110) Alguns pensadores foram basilares na construção dos saberes que iriam operacionalizar o deslocamento do objetivo das punições, como Montesquieu, Beccaria, Hobbes, Bentham, Voltaire, por exemplo. Onde reconhecem as distinções e motivação do crime, bem como inauguram o princípio da legalidade, devendo ser o caminho a ser seguindo contra as arbitrariedades punitivas. Beccaria, por exemplo, faz uma reflexão sobre uma possível punição pecuniária nos crimes de furto, em que nesses casos a pena deveria ser pecuniária, porém, aqueles que cometem tais crimes não teriam condições de arcar com tal pena, e cometeriam novos delitos para arcar com as penas, o encarceramento seria a pena possível (BECCARIA, 1999, p. 76). O entendimento criminológico clássico de Beccaria aduz uma contradição com os princípios consagrados com o iluminismo, qual seja o princípio da igualdade, desenvolvendo um saber heterogêneo e diferente da igualdade social ao qual pregava. As luzes então não alcançavam a todos os povos e todas as populações, mas apenas aqueles que estavam dentro do padrão do homem branco e burguês. Já que no tange as punições, algumas práticas persistiram, como servidão nas galés, mas agora com o foco na exploração do trabalho dos que eram mandados para lá pelo cometimento de algum crime, e outras foram criadas, como as casas de correção, onde a sua principal função era explorar o trabalho e treinar aqueles que lá estavam para serem reservas da expansão do mercantilismo (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004, p. 103).

Dessa maneira, principalmente com a intensificação do capital, o objetivo não era a recuperação dos detentos, mas sim a exploração do seu trabalho em função do sistema econômico da época. O deslocamento desse foco e da maneira de punir foi conduzido pela burguesia, aquela que derrubou os poderes do monarca sobre argumentos racionalizados e humanitários, com aporte da “Escola Clássica”. Para Vera Regina Pereira de Andrade a Escola Clássica aporta seus fundamentos onde os direitos do homem deveriam ser protegidos e resguardados contra os excessos e autoritarismos das instituições, racionalizando o poder de punir a fim de garantir o indivíduo contra a intervenção estatal de maneira arbitrária. (ANDRADE, 1994, p.113)
Para os teóricos do Classicismo, o delito advinha da livre vontade do indivíduo, bem como coloca no mesmo patamar a nobreza e criminoso, considerando como delituoso o com portamento que transgredisse a norma jurídica e o pacto social. (ANDRADE, 2003, p. 52-53).

Dessa maneira, pelo papel mais democrático atribuído ao Direito Penal da época, con feriu-se legitimidade ao cárcere e a sua  natureza foi alterada, sendo utilizado agora para a criação de uma mão de obra dócil serva do modelo de produção que vigorava e extraia sua riqueza desses corpos “criminosos”. (FOUCAULT 1999, p. 164-165) Assim a luta ideológica da primeira metade do século XIX operacionalizada pela burguesia era dupla: Manter sua dominação econômica, a fim de não retornar ao passado, e assegurar a ordem social, prevenindo levantes do proletariado (OLMO, 2017, p. 36).
O lema dessa revolução científica seria ordem e progresso, bem com o seu método, a observação e a experiência. Portanto, se de um lado havia o problema social que estava ligado entre a relação do capital e do trabalho, de outro havia as ciências para neutralizar
essas forças que ameaçavam a revolução burguesa.
No que tange ao delito e a criminologia, o método positivista e o desenvolvimento da antropologia reformularam as suas teorias, passando a estabelecer as origens do delito no delinquente (OLMO, 2017, p. 37).
Neste toar estava aberta a era do saber classificatório, substituindo a livre escolha e vontade do indivíduo pelo determinismo biológico, baseado, a priori, em supostos dados científicos nos mais diversos ramos da vida. Na criminologia, nas práticas de política criminal e no Direito Penal não seria diferente.

O SURGIMENTO DO PARADIGMA ETIOLÓGICO E DAS DIFERENÇAS RACIAIS EMPÍRICAS

Se anteriormente no Classicismo a defesa dos Direitos Humanos era propagada, na Escola Positiva foi denunciada por ser demasiadamente individualista e não se preocupar com a defesa da sociedade como um todo. O método, o crime, o criminoso e a pena, tem a sua matriz de entendimento alterada. O primeiro agora é condicionado ao método específico, experimental ou empírico, que vai condicionar a produção científica, a função ´´é descobrir, na realidade factual, as Leis gerais através das quais o determinismo se manifesta“ (ANDRADE, 1994, p. 134).
Já o crime não é mais analisado como um fato natural e social, passível do livre-arbítrio do indivíduo, parte agora de um fato pré-determinado, naturalmente intrínseco ao delinquente. Tais atribuições foram propagadas e dadas como resposta por Ferri e Lombroso, e é na figura do “O Homem delinquente” que este último escora o seu argumento do criminoso nato. Assim, o crime sai da esfera de uma escolha humana pautada na sua livre e consciente vontade, para o resultado de fatores biopsicossociais. Sobre a pena instituída pelo modelo clássico crítica Ferri que: ” a pena, como a última ‘ratio’ de defesa social repressiva, não se deve proporcionar – e em medida f ixa – somente à gravidade objetiva e jurídica do crime, mas deve adaptar-se à personalidade, mais ou menos perigosa, do delinquente, com o sequestro por tempo indeterminado, quer dizer, enquanto o condenado não estiver readaptado à vida livre e honesta, da mesma maneira que o doente entra no hospital não por um lapso pref ixo de tempo – o que seria absurdo – mas durante o tempo necessário a readaptar-se à vida ordinária, Daqui resulta que a insuprimível exigência para a hodierna Justiça Penal é esta: assegurar uma defesa social mais eficaz contra os criminosos mais perigoso e uma defesa mais humana para os criminosos menos perigosos, que são o maior número (FERRI, 1931, p.47)”

Dessa maneira, a penar perde, com o positivismo penal, o caráter de retribuição de acordo com a gravidade do crime, e toma como fonte de análise os aspectos pessoais do agente que o cometeu. Segundo Batista (2011, p.41) uma das principais lições de Anitua foi compreender o positivismo como uma ideologia surgida do medo das revoluções populares, dirigidas à desqualificação da ideia de igualdade. Isso porquê todos os movimentos descritos anteriormente fizeram com que surgisse na Europa o fenômeno denominado de “o grande internamento”, onde os “internos” eram justamente a camada mais pobre da sociedade, e foi a partir desse ponto, acompanhado pela revolução industrial e sua demanda por exploração de mão de obra humana, que fez–se com que a prisão se tornasse extremamente importante para os detentores dos meios de produção, já que era desse local que extraiam sua mais valia e criavam a sua sociedade disciplinar. A escola positivista representa rupturas com os pensamentos liberais iluministas, a traz consigo a sofisticação científica de métodos classificatórios, estigmatizantes e hierarquizados, a procura de fatores criminógenos, levados mundo a fora na colonização que o capital proporcionou. (BATISTA, 2011, p. 42)

A antropologia criminal e o determinismo biológico

Como visto, de maneira geral e antecedente a este subcapítulo, a evolução do capitalismo explica em muito a mudança para o  paradigma científico da criminologia. Suas consequências alteraram a realidade social vivida pela população e as os poderes dominantes se viram na necessidade de alterar a o método lógico utilizado anteriormente para explicar as causas do crime e manter a paz social.
Feita esta consideração, salienta-se que os primeiros indícios da criminologia positivista italiana e sua antropologia criminal surgiram quase que de forma concomitante em 3 países: Argentina, Brasil e México (OLMO, 2017, p. 33). No Brasil, como marco dessa recepção de saberes, em 1889 foi criada a Associação Antropológica e de Assistência Criminal. Contudo, nascida no continente europeu, é necessário então entender o seu marco teórico por lá e como ocorreu o seu desenvolvimento.
A autora Rosa Del Olmo considera como marco a obra L´umo delinquente, do autor Lombroso publicada em 1876, a partir dai e juntamente com o desenvolvimento de outras ciências, em especial as ideias evolucionistas de Darwin e Spencer, criou-se uma bagagem tecnicista e segregacionista, diferenciando algumas pessoas em relação a outras, em especial pela criação de um “evolucionismo social” baseado nas ideias destes últimos autores citados. Assim, no século XIX a palavra raça se torna um meio de classificação das pessoas por características biopsicofísicas (DUARTE, 2017, p. 31). Mas antes de adentrar no modus operandi classificatório das teorias raciais, deve-se por base explanar o desenvolvimento da antropologia criminal1 e seus estudos, o que será feito a seguir. Diferentemente do que se imaginava no início do século sobre o conceito de crime, onde punia-se o indivíduo que burlava a ordem social, agora o seu conceito passara a ser consi derado pela inferioridade biológica de alguns em relação a outros. (DEL OLMO 2017, P. 44) E é nessa desigualdade “natural” e consequente hierarquização entre os homens que o centro europeu ignorou e abstraiu toda a história marginal pela sua própria história, aparentemente superior, conquistada sobre processos violentos marcado por escravidão e mortes (ZAFFARONI, 1988, p. 66).

A partir desse momento, onde as raças humanas são entalhadas e separadas, distinguindo-se uma de outra por uma suposta superioridade, o racismo é entendido aqui como uma prática que estrutura, projeta e fomenta ideologias, instituições, valores e atos, (…)  de caráter explicitamente excludente e violento por parte de um grupo social-racial que se
considerou superior (GÓES 2015, p.40). Por fim, fechando a trinca da escola positivista italiana, Enrico Ferri (1856 – 1929)
propõe, substituindo a tese lombrosiana, uma nova tipologia criminal, ele realizava uma diferenciação entre fatores antropológicos ou individuais (raça, idade, sexo, constituição psíquica), fatores telúricos (clima, estação) e fatores sociais (família, religião, educação, etc.) (DUARTE, 2017, p. 44).

Desaguam os criminosos, a partir da plurifatoriedade criada por ele, em cinco tipos: natos, habituais, ocasionais e passionais. Como a tipologia desenvolvida por ele era organizada em grupos bioantropológicos e mesológicos, mantinha a ideia de Lombroso mas acrescentava a o meio que o agente estava inserido, assim, funcionava como uma doutrina melhorada, mais flexível que a lombrosiana, pois esta ultima não servia em alguns aspectos das intenções capitalistas e coloniais. Assim, a necessidade crescente de racionalização do controle exercido sobre as massas urbanas foi decisiva para esta transformação (DUARTE, 2017, p. 46). Em síntese, para melhor compreensão do discurso das Teorias da Raça e a intersecção entre as teorias criminológicas da escola positiva italiana, 5 pontos são fundamentais (DUARTE, 2017, p, 48):

a) O tipo racial possuía um caráter frágil e artificial dentro dos limites do que pode ser considerado cientifico, assim a tradução feita pela área das ciência humanas e sociais nada tinha a ver com as teorias desenvolvidas pelos cientistas da época;
b) a hierarquia entre as raças onde uma era mais inferior e outra mais evoluída estava ligada com explicações biológicas e às hipóteses do atavismo;
c) Por não compreenderem os teóricos raciais acerca de hereditariedade, formaram teorias onde o cruzamento de raças (inferior + superior) resultaria na geração de um degenerado pela herança do inferior, e deixa de considerar a combinação genética;
d) Tendo em vista o caráter instrumental que as Teorias da Raça adquiriram, houve maior espaço para intervenção estatal no que diz respeito a políticas de prevenção da criminalidade, políticas essas de caráter eugênico e higiênico;
e) Existia uma liga entre as teorias e as práticas de controle social, posto que as primeiras deram mu nição e legitimidade para essas últimas agirem em nome de um bem maior, a proteção da sociedade como um todo


O paradigma Lombrosiano e a construção do criminoso a serviço do controle social

Situar Lombroso no trabalho em questão se faz necessário posto a sua relevância intelectual no que diz respeito a aplicação de seus métodos no Brasil. Cesare Lombroso foi um dos autores mais utilizados no contexto brasileiro e suas teorias foram trabalhadas por determinada classe a fim de manter as suas relações de poder em detrimento de outra, isso tudo dentro em um contexto pós abolicionista, servindo de escopo para marginalizar alguns indivíduos. Em 1871 publica a sua primeira obra L’uomo bianco e l’uomo do colore: letture sull’ori gine e la varietà delle razze umane (O homem branco e o homem negro: leituras sobre a origem e a variedade das raças humanas), inspirado na frenologia de Gall vai defender que diferenças craniais anômalas vão definir a disposição de indivíduo para a delinquência. Lombroso delimita uma questão chave, norteadora da sua produção acadêmica e que bem se perfaz no trecho onde diz que:

” A questão se trata em saber se nós, os brancos, que elevamos orgulhosos o pico de civilidade que alcançamos, devemos um dia curvar a cabeça ao nariz prógnato do negro e ao rosto amarelo do mongol; se, finalmente, temos a nossa liderança e o nosso organismo como um acidente do acaso. É também um bom momento para decidir se podemos, sem medo, mas sim com audácia, falar mais do que com as tradições, com a única autoridade de nosso tempo, a Ciência (LOMBROSO, 2012)2″ 

Além do que tange ao desenvolvimento das raças, o autor traças aspectos de degeneração e maior inferiorização daqueles oriundos de uniões e cruzamentos de raças distintas, tratando países como o Brasil, por exemplo, como um local mais degenerado. Tal perspectiva de que a miscigenação brasileira não aparentava ser tão prejudicial, deu ensejo, posteriormente, a posicionamentos favoráveis a políticas de branqueamento do país, ainda que em dissonância com a política eugênica de que o negro era o portador do gene inferior. No que diz respeito a características físicas, Lombroso enumera em sua obra uma série de comparações e mostra por elas como o homem branco e negro se distinguem hierarquicamente, onde uma simples comparação anatômica entre o cabelo e a pele do negro face a do branco, era como comparar um cão com um lobo ou um gato em relação a um tigre (GÓES, 2015, p. 82). No que diz respeito aos estudos do cérebro humano, Lombroso compara os dos primatas e dos humanos, destacando que nesses primeiros e nos negros, o desenvolvimento é contrário ao dos brancos, pois, em consonância com a Frenologia, o cérebro negro e primata “(…) as suturas anteriores se soldam primeiro (…) (responsáveis pelas “funções pobres”, instintivas e meramente mecânicas.” Enquanto nos brancos as frontais são as primeiras “(responsáveis pelas “funções nobres”, racionais e complexas)’’ (GÓES, 2015, p. 88). Já segundo a sua Teoria Atavica3, essa se iniciou com os estudos de alguns casos, sendo o primeiro deles o caso de um agricultor calabrês, que seria filho de ladrões, e por tanto tanto também um ladrão, “de pele escura, barba rala, sobrancelhas grossas e focinho prognata”. (LOMBROSO, 2012). Dessa maneira, segundo a análise de Góes (2015, p. 89) sobre os estudos de Lombroso no cérebro de Villela:

” […] se assemelhava não apenas ao de um feto de cinco meses, demonstrando o uso da teoria da recapitulação (o que significava dizer que a capacidade craniana de um negro adulto era análoga ao de um feto), como também seu cerebelo medial seria idêntico ao de alguns lêmures, considerados ancestrais dos primatas, mais especificamente de duas espécies: os lemur albifrons e os aye-aye encontrados na ilha de Madagascar, África.”

Portanto, a teoria da recapitulação foi um dos argumentos utilizados no século XIX para formar uma base firme que justificasse a hierarquia racial baseada em um determinismo biofísico, que tornaria então o indivíduo delinquente por natureza, possibilitando ao médico italiano responder sobre as causas do crime. Encontrando então através das bases científicas do atavismo darwiniano, o racimo de Lombroso fixou as bases que necessitava para projetar seus estudos na questão que realmente interessava: a criminalidade e o homem criminoso.

A IMPORTAÇÃO DA CRIMINOLOGIA ANTROPOLÓGICA NO  CONTEXTO MARGINAL

Perceptível até o presente momento como a criminologia científica, de cunho proeminente racista-eugenista, se desenvolveu no centro europeu e foi estuda, de forma especial, pelo médico italiano Cesare Lombroso, sendo conduzida não tão somente pelo grande desenvolvimento da ciência nessa época, mas como resposta as necessidades da elite capitalista para o enfrentamento de problemas sociais causado pelo seu próprio modelo econômico. Ocorre que no início do século XX, a teoria do homem delinquente exponenciada pelo citado autor começou a ser alvo de questionamentos pelo próprio campo jurídico, principalmente porque destacava outras figuras protagonistas (médicos, psicólogos, etc.) dentro da criminologia e colocava os juristas como secundários nessa dinâmica. As críticas tecidas em quase nada interferiram na tese da inferioridade racial, “(..) que se manteve praticamente incólume após vinte e um anos da publicação da primeira edição, com a introdução de sete apêndices que trazem um estudo antropométrico, marca de sua
teoria etiológica (…)” (GÓES, 2015, p.119). Mas, se na Europa seus saberes caiam em descrédito, na marginalidade brasileira foram adaptados e traduzidos por diversos autores, ainda que se tratando o contexto latino–americano, pela própria teoria que traduziam, de uma periferia recheada de raças inferiores, sendo assim a mais alta representatividade da delinquência. 
Segundo a autora Rosa Del Olmo, no começo, as discussões que aconteciam em congressos internacionais sobre esse novo modelo de controle social científico eram limitadas ao centro, mas agora começam a se estender aos países colônias, de modo que as “minorias ilustradas”, como denominava a autora sobre a margem, começa a receber as leis e percepções estrangeiras, a fim de caracterizar o delito, determinar as penas e definir p criminoso (DEL OMO, 2004, p. 157). 
Misturando diversas teorias, essa recepção foi por vezes antagônica em si, misturando liberalismo, contratualismo, etc. a fim de colocar em prática entendimentos para o controle social/racial, em marcha, nascia então uma criminologia diferente do que se via até então, totalmente heterógena e mesclada a fim de atender necessidades especificas do contexto no qual estava inserida, mas que evidentemente criminalizava a própria cultura e característica da maioria da população latina. Sobre o ponto Eugênio Raúl Zaffaroni aponta que ainda que os países latinos fossem à época sinônimos de inferioridade sob a ótica criminal central e, portanto, a síntese da patologia criminal, interessava a burguesia da margem a inserção dentro do sistema internacional posto a dependência econômica na qual estava sendo inserida, oriunda da exploração do sistema capitalista e dos acontecimentos históricos que dificultavam cada vez mais a explo
ração de mão de obra escrava. (ZAFFARONI 1988, p.123).
Assim, pelas raízes escravocratas e pela dependência econômica, adequar-se aos padrões institucionalizados no mundo central era suma importância para a classe dominante e cumpria dupla função, uma interna e outra externa.

Diante disso, é possível entender então a necessidade de a América Latina estar inserida e se fazer presente nos congressos internacionais sobre a criminalidade (I Congresso Penitenciário em Londres, I Congresso da União Internacional de Direito Penal em Bruxelas e II Congresso de Antropologia Criminal em Paris). Para tanto, considerando que trava-se de uma região que era o símbolo de predisposição delitiva pelo paradigma racial, e o fenótipo preto um indicador de atraso a evolução, as as classes dominantes entendiam a importância de estarem inseridas nas “normas uni
versais” impostas nas assembleias internacionais (OLMO, 2004, p.159) para conter os problemas sociais que poderiam advir dessa nata delinquência para o próprio desenvolvimento econômico interno e externo de seus países, necessitavam da lei e da ordem internamente (OLMO, 2004, p. 165). Então, a adoção deformada dos ideais europeus surgira de uma necessidade de controle pela classe burguesa, em suma escravocrata, que procurava um método legitimo para manutenção de sua dominação e fortalecimento do modelo de Estado oligárquico

A ciência criminológica e a legítima resposta para delinquência brasileira

Instituída na virada do século XX, a criminologia positiva e as teorias raciais já discutidas anteriormente foram adaptadas pelos intelectuais brasileiros em função do contexto político e social do momento. Em um momento onde o que se desejava era o desenvolvimento e independência econômica, adaptar os saberes europeus fruto de uma base legítima pautada na ciência era entendido como fundamental para o progresso externo e para o monopólio de poderes de maneira interna. Neder e Cerqueira filho (2006, p. 27-28) observaram o modo de utilização da teoria científica na Europa e como a aplicação no contexto brasileiro foi orientada de forma diversa e específica, trazendo um paradigma-racista etiológico que criminalizava grande parte da população latina americana, contudo, transportar os entendimentos dos sistemas internacionais e dos países industrializados para a margem a fim de garantir o seu espaço dentro da lógica global capitalista era um dos principais interesses. Por isso, precisava-se entender as discussões estrangeiras e traduzi-las de modo que a classe dominante não fosse afetada e criminalizada pelos próprios discursos que deveria absorver, para tanto, a presença dos países latinos começou a acontecer nos ambientes de discussão sobre direito penal. Argentina, Brasil, Chile e México foram os primeiros a comparecerem às assembleias internacionais (OLMO, 2004, p. 160).
Assim, para se iniciar com a utilização das técnicas centrais de controle social e das “normas universais”, a elite marginalizava que objetivava criminalizar a margem da margem, utilizava-se da inferioridade racial defendida nas ciências penais como instrumento de do minação a arquitetação do estereótipo do indivíduo delinquente. Essa transmissão dos saberes estereotipados não foi adotada de forma “crítica” ou através de uma consciência e produção própria de saberes, apenas foi reproduzida e legitimada pelo caráter de autoridade que alguns autores centrais tinham, assim a tradução se fez em forma literária. Não se formou uma consciência propensa a assimilar o método científico (…) bastava que o fato fosse afirmado por Galileu, Darwin ou Spencer para que fosse acreditado, sem necessidade de verificação experimental (MAGGIOLO, 1968, p. 26-30).
A professora Vera Malagutti Batista (2011, p. 46) faz alguns levantamentos acerca de questões imprescindíveis sobre essa assimilação potencializada pelas instituições: ” […] por que interiorizamos tão profundamente uma ideologia tão destruidora de nossos povos, de nossa cultura? Como nos deixamos aprisionar tão intensamente por um quadro teórico que nos conduziu a nos constituirmos em território degredo, campos de concentração, zonas de truculência e extermínio sem limite? O positivismo atualizou a configuração da América Latina em gigantesca instituição de sequestro; concentração de povos ‘degenerados’ e indesejáveis: africanos, índios, judeus, mouros e criminosos natos da Europa”

Para tentar responder de tais questionamentos é necessário compreender que os processos de tradução dos textos centrais foram inefavelmente construídos com um propósito pré-ordenado, correspondente às necessidades de encaixe no padrão de leis universais propostas pelo centro para países marginalizados que por esses primeiros eram considerados inferiores, para assim, ainda que em caráter de dependência (como os cepalinos C. Furtado, A. Cueva bem descrevem e os sócio historiadores Ruy Mauro Marini, Darcy Ribeiro e Vânia Bambirra) discutem pudessem esses últimos participar do caldo da industrialização. É nesse momento que o sistema penal brasileiro passa por uma transição pelo dado momento republicano, e altera o diploma legislativo penal (pouco alterando a sua substância em si, onde as raízes do Código Criminal Imperial de 1830 persistiam fortemente) a fim de proclamar novos, e aparentes, valores modernos e tentar disciplinar possíveis crises urbanas. O meio urbano em que os negros preponderavam, havia uma dinâmica própria, onde não se conseguia distinguir com certeza os pretos livres e os escravos em liberdade, nesse sentido “a cidade que escondia ensejava aos poucos a construção da cidade que desconfiava, e que para desconfiar transformava todos os negros em suspeitos” (CHALHOUB, 1988, p. 91). Tal processo de mudança na urbanização das cidades e a “desconfiança” que transformava os pretos em potenciais lesivos, teve interferência na esfera penal e na sua legislação, abrindo margem para atuação da polícia e das agências criminais da época, que agiam através de uma “ilegalidade consentida” (DUARTE, 2011, p. 181)

Sedimentada então em noções de “ordem pública”, a legislação republicana abria margem para um controle discricionário por parte da polícia e apartado do controle judicial, assim a hierarquização social se mantinha através de um vigilantismo contra negros (SILVA, 2018, p. 103). As presunções e garantias também não faziam parte da legislação penal, ainda que proibisse a presunção de culpa, a sua sistemática demonstrava que “a indeterminação dos julgamentos fundamentados em um direito penal do autor e não em direito penal do fato pudesse ser a tônica da aplicação do Código de 1890” (DUARTE, 2011, p. 181).
Inerente que suas bases eram as mesmas da criminologia positiva central, que procurava identificar o criminoso, e não o crime, para aplicação da lei penal, o que no contexto brasileiro reforçava a atuação da polícia em espaços de fundada desconfiança pelos aparelhos estatais (que coincidentemente eram os mesmos ocupados pela negritude que a pouco conquistará a “liberdade legal”). Não obstante a história frisar que a legislação de 1890 teria bebido na fonte da Escola Clássica, o que se apresentava na realidade era a adoção de critérios do positivismo criminológico e das classificações raciais para a realização de funções proeminentemente políticas. Tais funções são mencionados por Foucalt a fim de: “permitir um corte na população administrada, e ressaltar que a neutralização dos inferiores ‘é o que vai deixar a vida em
geral mais sadia; mais sadia e mais pura’ (FOUCAULT, 2000, p. 305 apud ZAFFARONI et al, 2011, p. 443). Essa era a única linha de pensamento criminológico/penal que se encaixava as necessidades da época, que precisava se modernizar e absorver os valores liberais, mas ao mesmo tempo não queria perder o monopólio de poder e controle social exercido na colonialidade e no escravismo. No contexto brasileiro, o autor estrangeiro que mais se adaptava às necessidades desse neocolonialismo era Cerare Lombroso, que com seu paradigma-etológico justificou as teorias racistas aplicadas. Zaffaroni bem cita que:

” […] o verdadeiro modelo ideológico para o controle social periférico ou marginal não foi o de Bentham, mas o de Cesare Lombroso. Este modelo ideológico partia da premissa de inferioridade biológica tanto dos delinquentes centrais como da totalidade das populações colonizadas, considerando, de modo análogo, biologicamente inferiores, tanto os moradores das instituições de sequestro centrais (cárcere, manicômios), como os habitantes originários das imensas instituições de sequestro coloniais (sociedades incorporadas ao processo de atualização histórica) (ZAFFARONI, 1991, p. 77)”

Portanto, a narrativa do autor italiano seria de atualização para os interesses coloniais, imersos dentro da preocupação econômica com a passagem de um modelo escravista para uma economia dependente e que precisava atualizar as suas bases legais e repressivas. Formava-se assim uma espécie de “apatheid criminológico natural” (DUARTE, 2017, p. 117), que ia além das prisões para controlar a negritude indesejável, mas instituía a repressão, disciplina e punição de maneira paralela e legítima.

A projeção do paradigma rodrigueano/lombrosiano como instrumento de controle racial

Nina Rodrigues (1862-1902) foi um médico de origem baiana que traduziu e projetou as teorias das raças no Brasil, bem como deu a essas a legitimidade que entendia possuir. Seguindo uma linha racista da psiquiatria originada na França,  Nina Rodrigues afirmava que “os mulatos eram desequilibrados morais e que a responsabilidade penal deste grupo deveria ser diminuída ou excluída (…), classificando a maior parte da população brasileira como em ‘estado perigoso’” (ZAFFARONI, 1991, p. 43). Assim, o “criminoso nato” desenvolvido por Lombroso, encontrou uma terra fértil para criar suas raízes e influenciar na construção e no estereótipo da criminalidade, aplicando a sua hipótese de degenerescência em toda a população indesejável. Considerando que o momento vivido antecede a Proclamação da República e com ela nos seus ideais liberais, convém destacar um questionamento colocados pelo autor Evandro Piza Duarte, onde levanta o seguinte: “As teorias raciais de Nina Rodrigues seriam integrantes de um paradigma comum às elites brasileiras ou o autor teria construído um modelo isolado de interpretação da criminalidade nativa e das relações raciais locais? (2017, p. 55). 
Um dos pontos que de fato diferia Rodrigues de outros teóricos era a sua contrariedade a mestiçagem, que por esses outros era observada com bons olhos e como solução para o problema racial no Brasil (2017, p. 55). Concernente a isso, ainda que tenha sido considerado por muitos um dos principais doutrinadores de uma corrente racista, ficou sozinho no
tocante a sua contrariedade à mestiçagem. Para Hasenbalg, haveriam dois pontos de vista com relação a esse aspecto, a primeira, que deriva do racismo científico, aponta a inferioridade no preto e do indígena, e a segunda, em que a mistura social era vista como um amortecedor de conflitos sociais, já que a miscigenação anteciparia uma desaparição daqueles que eram um problema (HASENBALG, 1992 p. 69).
Embora houvesse uma certa contraposição de ideias, as obras de Nina Rodrigues e o colonialismo anterior influenciam para uma “(…) visão racista comum (…) que se destaca (…) por sua obra integrar um paradigma racista comum, porque estava apoiado em um conjunto de premissas e problemáticas que orientavam os demais estudos. (DUARTE, 2017, p. 57), Silvio Romero, um dos outros expoentes paradigmáticos da época acreditava que a homogeneidade branca poderia acontecer e atribuía isso a dois fatores chave: a extinção do tráfico negreiro e o consequente desaparecimento dos negros e a emigração europeia (SKIDMORE, 1976, p. 53). Desse modo a “seleção natural” aqui viria de uma séria de medi
das que deveriam ser adotadas para a proeminência branca e extinção dos negros no país, o branqueamento da população era mais que uma vontade, mas um projeto pensado pela elite intelectual e econômica. Para Nina Rodrigues, com a mestiçagem, não haveria ao longo do tempo uma extinção dos genes do negro para em seguida dar lugar ao “branco depurado” (DUARTE, 2017, p. 590), mas sim criaria diversos tipos raciais, que habitariam ao lado dos “tipos puros”. Nesse sentido, a problemática existente na mestiçagem estava justamente pelo fato dela trazer consigo a genética negra e bárbara. Na visão de Nina Rodrigues, a mestiçagem não era o caminho pois se persistia a herança selvagem do negro e do índio, sendo essa primeira, formadora de uma terceira categoria social. Em seus estudos, observa-se sequencialmente o seguinte:

” O conflito – que se estabelece no seio do organismo social pela tendência a fazer, à força, iguais perante a lei e seus efeitos, raças realmente tão distantes e desiguais -, tem o seu símile e se deve realizar no seio do organismo individual, nos casos de mestiçamento em um mesmo indivíduo qualidades físicas, fisiológicas e psíquicas, não só distintas, mas ainda de valor muito diferente no ponto de vista do conceito evolutivo do aperfeiçoamento humano (RODRIGUES, 1957, p.126).”

Portando, para o autor as raças se combinavam e atingiam graus diferentes de periculosidade e inferioridade, devendo cada uma ser trada de modo diferente pela legislação de acordo a responsabilidade penal que a sua raça detinha. Convém destacar de igual forma que, apesar de suas premissas referente ao fator criminógeno das raças inferiores, quando da aplicação legal de uma responsabilização penal, deveria-se observar critérios e realizar exames individualizados dentro das próprias raças inferiores, a fim de identificar o seu grau de herança criminosa (DUARTE, 2017, p. 62-63 apud RODRIGUES, 1957, p. 118). Nesse cenário, não se imputava a responsabilidade no indivíduo, a fim de se encaixar em um discurso de igualdade universal e correr o risco de ofertar a todos igual direitos, nem tampouco em grupos fixados de maneira sólida a fim de se questionar a legitimidade do saber posto a nova ordem da república e seus valores, mas se apresentava então um “exame das individualidades que permitiria redescobrir, caso a caso, no modelo racista, o selvagem e o negro criminoso.” (DUARTE, 2017, p. 65).

Ensaio sobre a cultura jurídica e o racismo na hipótese colonial

Quando dos estudos pelos doutrinadores e jurista no geral a acerca do direito penal, por vezes limita-se a mera referência as leis do passado, suas dinâmicas, historicidades e “rupturas” até os dias atuais. Pouco se preocupa em sinalizar as diretrizes deformadas da construção do sistema normativo brasileiro e investigar a sua atuação no controle social realizado pelo Estado. Essa história vista pelo olhar do Outro, do centro europeu, limita a realidade brasileira, e no geral a latino-americana, a uma cópia, reiterando falas hegemônicas incapazes de olhar para sua própria história, como se essa fosse uma mera reprodução dos deslindes da Europa. Evandro Piza Duarte ressalta que essa cópia não corresponde apenas há um mero vício, mas cuida de velar violências e cria uma percepção falsificada da realidade concreta, que corresponde a um mito que informa interesses específicos de práticas sociais de determinadas classes sociais, bem como de grupos raciais e de gênero (2017, p.91), onde além de ocultar esses interesses, o legitima.
Assim, observando a construção da criminologia no centro, a sua adaptação brasileira e a função que cumpriu, convém refletir sobre de que modo esse controle social/racial exercido e legitimado cientificamente, espectra e produz uma discriminação sobre indivíduos negros. Os discursos sobre Lei e Ordem e a lógica do modelo de política de justiça atuarial
foram determinantes para o encarceramento e as novas ideias de administração da justiça. Ainda que seus discursos não sejam abertamente discriminatórios, trabalham com a lógica de controle de risco, que se direciona proeminentemente para o mesmo grupo de pessoas. Tal conexão em conjunto com a carência de estudos sobre o impacto da hipótese colonial e teorias raciais e eugênicas, revelaram um dos motivos da sua continuidade nos períodos que se sucederam.  Du Bois salientou que para fatores sociais, tais como o desemprego e a pobreza, como índices que criminalizavam os afro-americanos, dessa forma a “desordem social” contribuía para o aumento da criminalidade sobre essas pessoas. Ainda, verificou a diferenciação que ocorria dentro do Sistema Penal, onde prisões eram efetuadas em massa contra negros, em relação aos brancos esse número era bem  inferior. De outro lado o arbitramento de penas também passava por um filtro diferente quando se falava de afro-americanos, esses recebiam penas maiores em relação aos mesmos crimes cometidos por pessoas brancas (GREENE & GABBIDON, 2012, p. 97-100). Foi então a partir do referido autor e de seus estudos nos EUA que conseguiu-se ter uma revolução paradigmática acerca da raça. Eles mostraram as segregações do Sistema de justiça penal e o modo como certos grupos sociais eram minimizados. A perspectiva de Du Bois (em sua fase mais madura) deslocou a forma moderna de fazer pesquisas estatísticas, as quais, mesmo quando não se encontram dentro do marco da eugenia, legitimam o uso de metodologias que perpetuam os problemas que querem superar (DUARTE, 2017, p. 112). O colonialismo entrara por todas as áreas da vida, roubando e deturpando a própria origem daqueles que eram considerados indesejáveis e, portanto, deveriam ser neutraliza dos pelo sistema. Dessa forma, enquanto os países imperialistas espalhavam pelo mundo marginal a sua moral e democracia, as colônias recebiam apenas a parte violenta dos mecanismos de controle como a polícia e o exército (FANON, 2008, p.34 e 107). No âmbito latino-americano, também houveram correntes críticas em relação a hipótese colonial. Clóvis Moura, intelectual negro, dividiu em 3 períodos as transformações no contexto brasileiro, da colônia até o início da República, no qual se combinam questões de ordem estrutural e arranjos locais, considerando as lutas sociais dos escravizados (DUARTE, 2017, p. 114). No início da colonização, onde o tráfico internacional de escravos é banido, descreve algumas funções que vão manter a dinâmica entre os senhores e os seus escravos. Com a modernização social e econômica que vai da extinção do tráfico até a abolição da escravatura em 1888, alguns processos de transição são inaugurados onde há um cruzamento de relações capitalistas sobre uma base escravista (DUARTE, 2017, p.115). Embora Clóvis Moura não ocupe espaço falando sobre os métodos de controle social, o seu aporte teórico permite entender as características do direito penal moderno, que se encontra embasado entre todo o caráter contraditório do desenvolvimento da sociedade brasileira, qual seja na passagem do escravismo ao capitalismo dependente, no qual estavam em questão o fim do trabalho escravo e a solução dos conflitos surgidos entre as massas escravas e as elites brasileiras (DUARTE, 2017, p. 116). Com o neocolonialismo, as regiões marginas se submeteriam aos poderes centrais, a fim de justificar o se poder e controle através das teorias racistas.
Esse chamado “apartheid criminológico” veio a criar uma sociedade disciplinar não tão somente pelas instituições de cárcere que abrigavam em sua maioria corpos negros, mas criou um mecanismo de controle secundário, que cerceava a liberdade negra em seus costumes, criminalizando suas práticas e culturas e impedindo através da sua estrutura social que tivessem acesso a propriedade e a riqueza.
Enfim, se a implantação de uma punição diferenciada para os inferiores vai responder as problemáticas fáticas e concretas, o passado colonial e a aderência de saberes centrais e deformados a realidade brasileira, vai garantir a ordem econômica da burguesia postulada sobre uma racionalidade cientifica a fim de garantir que os Outros (aqueles estranhos as características europeias), permaneçam como instrumentos periféricos a serviço do capitalismo.

CONCLUSÃO

O diálogo proposto neste artigos foi fruto de uma longa reflexão acerca das práticas de justiça penal e a razão pela qual o poder punitivo, em regra, pune e exerce seu controle de forma preponderante em relação à algumas pessoas. No caso em foco, pessoas negras. Dessa maneira, revisitar os postulados iniciais da criminologia central se fez necessário para entender como essa foi digerida e adaptada pelo Brasil em meio as transformações e mudanças históricas de ordem econômica e política para então compreender como a sua aplicação foi orientada em nome dos interesses da classe dominante a fim de manter-se na no controle e no topo da cadeia do capital. Por isso, se fez necessário estigmatizar e encontrar um inimigo comum, que por sua própria ordem biológica seria delinquente, a fim de neutralizá-lo e discipliná-lo para que se fosse mantida a paz social. A hipótese colonial nesse sentido se mostrou organizada e orientada a racializar o sistema de justiça penal selecionando indivíduos pertencentes a determinados grupos raciais. A justificativa para essa organização punitiva se dava, então, pela existência de um erro, uma falha natural, fruto da própria característica biopsicofísica degenerada dos “índios” e dos “negro”, que traziam consigo o símbolo de Cam. Assim, o racismo se apresenta não como uma nomenclatura para apontar grupos raciais, mas um constitutivo que condicionava/condiciona a negritude a patamares desumanizados e mais passíveis do controle pelos aparelhos de repressão estatal, onde, na transição ente Absolutismo e o Classicismo, negou o discurso de igualdade e utilizou o critério da raça como hierarquizante. O projeto criado pela hipótese colonial foi mais que uma opressão institucionalizada através do direito penal e do aparato dos meios de controle, foi unificado ao senso comum da população, que, negando as suas origens, persegue, estigmatiza e contribui na contem  poraneidade para a perpetuação do racismo estrutural ante a criação da ideia de